A nossa linhagem é tântrica

04-07-2019 23:59

A nossa linhagem é tântrica. E o tantrismo é uma escola gupta vídya, ou seja, conhecimento, ciência secreta. Logo iniciática. O conhecimento passa da boca do Mestre ao ouvido do discípulo. Até dizem os shástra que a língua do mestre é o lingam que vai fecundar, de conhecimento, a yôni, os ouvidos, do discípulo. Mas ser secreto, ensina Shrí DeRose, significa, também, sermos discretos. E se o formos quase tudo nos é permitido. Isto para dizer que conto com essa discrição. E ela é um dever vosso.
Como também sabem, vou conversando com cada um de vós. Na sequência dessas conversas, em respostas a questões que me vão colocando, vou expondo, explicando.
Há locais de de grande poder. Tenho levado os meus discípulos a locais de grande poder. Por vezes só de dia. Pois, de noite, a correlação de forças às vezes altera-se. Por vezes levo-vos a uma prática de Yôga em antigos locais de culto e perto de necrópoles. São locais antigos, com seres igualmente antigos. Não são bons, nem maus. Quando aí se encontram sentem-nos. Vejo-os. Às vezes, quando de noite, já comentei com os que me acompanhavam, como a nossa querida senescal, que eles andam por lá, entre as pedras, como nós. Os seres que ali vivem, ou que por ali pululam, os que ali se manifestam, sobretudo à noite, mas também de dia, quando lá estamos sozinhos, sem ninguém, sem os domingueiros piqueniqueiros e beberolas, é possível pressenti-los. Reagem perante nós, à noite, como nós reagimos perante as plantas quando caminhamos numa floresta. Estão ali. Sabemo-lo. Mas não interagimos com elas – pelo menos o comum dos mortais. Como já vos referi, a Hispânia é referida pelos antigos como Ophiussa, a terra das serpentes, a terra dos dragani, os iniciados no poder da serpente, os senhores de dragões.
Neste local, há ali seres quase tão antigos como a formação daquelas rochas. Ignoram-nos, tal como as pedras o fazem.
Em tais locais mágicos é quando está muito frio o momento ideal para nos aproximarmos dos lugares pétreos e antigos, quando o nosso corpo se torna frio como a serpente, como o dragão e olhamos os lugares sagrados do mundo com o cérebro da serpente sagrada. Por outro lado, tal como o guerreiro de muita batalhas tem sempre cicatrizes de ferimentos antigos, também o que se dedica a estas artes, traz a marca do sofrimento estigmatizada na carne. Pois são práticas de ferreiros e alquimistas. E o que faz o ferreiro, mestre demiurgo, a não ser bater com o martelo, no metal que tem sobre a bigorna e assim revelar a sua estrutura íntima, transmutando-o em algo de novo, mais perfeito, mais elevado? Concluindo, na sua forja e na sua bigorna, um trabalho, que a mãe terra levaria milénios a fazer. Por isso é um demiurgo. Por isso revela a serpente que se oculta por detrás da carne. Por isso trabalha a carne, o corpo carnal, pois este dá acesso ao resto. E não é o Mestre de Yôga um demiurgo, um senhor de fogo, que trabalha com o martelo e a bigorna (ásana, pránáyáma e mantra), com fogo (kundaliní), para elevar o discípulo? E não o faz no corpo do discípulo?
Julius Evola, no seu livro Le Yôga Tantrique, refere que a ciência a técnica são democráticas. Têm uma estrutura, intrínseca de organização e de transmissão do conhecimento democrática. Qualquer um, medianamente inteligente, consegue ir à Universidade e fazer seus os conhecimentos actuais. Uma pistola produz o mesmo efeito nas mãos de um idiota, de um soldado, de um polícia ou de um chefe de estado. E é possível transportar qualquer um deles de avião, no mesmo número de horas. Mas assim já não é com o conhecimento iniciático. No âmbito da ciência estamos no plano ontológico do ser humano. E aí, os princípios são os da igual dignidade. Porém o homem é qualquer coisa que pode ser ultrapassada como ensinou Nietzche. A transcendência da condição humana, objectivo das disciplinas da auto-superação, como o SwáSthya Yôga, conduz o sádhaka a um estado existencial e ontológico (ontos – ser, logos – fogo; ciência; estudo). Ou seja, a um estado de ser superior ao do humano comum, consequência da superioridade de uma evolução que leva a que o yôgin seja um mutante, por comparação com o resto da humanidade. Ora, o calor, o despertamento da kundaliní, os siddhis que com isso se manifestam, são pessoais, intransmissíveis e não democratizáveis. E isto, esta profunda diferença, é a divisão fundamental entre a tradição e a modernidade. Pois a diferença real entre os seres é a base de um conhecimento e dum poder inalienáveis, não comunicáveis, logo exclusivos e esotéricos pela sua própria natureza e não por artifício, pois trata-se de um culminar de um desenvolvimento excepcional, que não se pode partilhar com toda a sociedade.
Nesta sequência, René Guenón, o grande orientalista francês da primeira metade do séc. XX, estabeleceu, para classificar uma fraternidade, um círculo interno, como detentora de autênticos processos iniciáticos, três características que se devem observar:

4- Necessidade de uma genuína qualificação interna dos seus membros
5- Necessidade de uma transmissão do saber esotérico e de auto-aperfeiçoamento interior de cada um dos membros
6- Necessidade de actualização activa subsequente, pelo esforço individual

Tais exigências devem-se ao facto de a iniciação não ser um mero ritual de passagem que celebra a aceitação numa fraternidade – por isso o “nós” adquire outra significação. Há “nós”, sim, mas com genuína qualificação interna dos seus membros e depois com a individual “actualização activa subsequente”. A iniciação é muito mais do que ser aceite num grupo. É, e pretende ser, um processo transformativo, de mutação, de auto-superação, que começa com um influxo energético, polarizado, pelo Mestre, proveniente dos domínios transcendentes e exercendo os seus efeitos ao nível dos corpos subtis. Porém, o que se envolve no processo iniciatório, deve ultrapassar-se também em provas físicas (aqui outra razão para a coreografia) e ser corajoso. O iniciado para vencer as provações e receber o conhecimento do Mestre, deve desenvolver, entre outras, as seguintes qualidades: saber, querer, ousar e calar-se.
A iniciação foi sempre reservada a alguns e nunca aberta a toda a gente. O impulso iniciatório transmuta o seu humano, se este não o detiver. Uma tradição iniciática usa tudo o que não é racional como elemento de transformação: o corpo; os desejos; as pulsões; a imaginação; a clarividência; a emoção; a intuição. Pois o processo só pode iniciar-se e ter continuidade de fora para dentro, do Mestre para o discípulo.

Mestre João Camacho

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